quinta-feira, março 28, 2024
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“A emancipação só veio quando todos se uniram”

por: Redação

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Os baruerienses tentaram a emancipação várias vezes a partir de 1918. Mas foi a derrota eleitoral de 1946, quando as lideranças locais se dividiram e perderam a chance de conquistar a prefeitura de Santana de Parnaíba, que mostrou que só unidos eles conseguiriam. A conclusão é apenas umas das revelações que Elias Silva, principal historiador da cidade, faz nesta entrevista.

Elias conta ainda como foram difíceis os primeiros dias após a autonomia e que fatores permitiram que a pequena vila de 3 mil habitantes de 1948 se transformasse numa das principais e mais ricas cidades do país apenas 30 anos depois.

Nascido no Jardim Belval, Elias é graduado em história pela Unesp, com mestrado pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutorado pela Universidade de São Paulo (USP). Tem especializações em antropologia e hemenêutica, é professor universitário e escreveu dois livros sobre a história de Barueri  (Barueri, História Revista e Documentada, 1560-1994 e História de Barueri – Capítulos de História Municipal). É diretor licenciado do Museu Municipal.

Quando começa o processo de emancipação de Barueri?

Em 1918, quando Barueri é elevada à condição de distrito de paz e passa a ter cartório. Voltando um pouco no tempo, o grande fato impulsionador de tudo ocorre em 1875, com a instalação da estação ferroviária. Com a ferrovia, Barueri foi ficando cada vez mais povoada. Nesses 43 anos, a população cresceu em função da ferrovia, enquanto Parnaíba, por ter ficado fora do eixo ferroviário, começou a entrar em decadência, porque a população de lá vinha morar aqui.

E Barueri estava num ponto geográfico estratégico.

Sim, você tinha outros povoados, Jandira e Itapevi, Carapicuíba e Osasco, Santana de Parnaíba e Pirapora. São dois povoados de cada lado, mas a estação é em Barueri, o centro distribuidor de cargas e passageiros, ou seja, as pessoas tinham de vir para cá para seguir para esses povoados todos. Não que o trem não passasse em Itapevi ou Carapicuíba… passava, mas não tinha estação, a única estação nesse trecho era Barueri. Isso aumentou sobremaneira a população de Barueri.

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E o distrito chegou a ficar mais povoado que a sede?

Exato, a população do distrito de Barueri ficou maior que a de Santana de Parnaíba, que era a sede. E havia uma outra situação também, Carapicuíba, que era zona rural de Santana de Parnaíba, foi integrada ao distrito de Barueri. Imagina a população atual de Barueri e Carapicuíba comparada à de Parnaíba. Proporcionalmente era mesma coisa. Claro, isso bateu na cabeça dos vereadores, que eram maioria na câmara parnaibana. Então o que eles imaginam… toda eleição nós somos maioria na câmara, então, porque não emancipar Barueri. Aí, eles tentaram em 1922, tentaram em 1924, em 1926, tentaram em 1934. Eles apresentaram inúmeras vezes à Assembleia Legislativa o projeto de desmembramento, mas em nenhuma dessas situações conseguiram.

O primeiro passo era pedir o plebiscito?

Sim, porque você pede o plebiscito e a emancipação é consequência do plebiscito. Isso só vai acontecer em 1947, quando o deputado estadual Diógenes Ribeiro de Lima entra na parada, ou seja, 30 anos depois da criação do distrito, em 1918.

Portanto era um movimento que já tinha 30 anos e ele viu…

… e disse, deixa eu pegar isso, tem o eleitorado de Barueri, de Carapicuíba (risos), e foi o que ele fez.

E se associou ao movimento…

Sim, ele virou o patrono da emancipação, apresentou o projeto na Assembleia e trabalhou para a realização do plebiscito. Em 1947 foi apresentado o pedido de plebiscito, que foi aprovado em 1948. Em setembro foi realizada votação, em 13 de março de 1949 teve a primeira eleição e em 26 a posse. Mas esse processo começou muito antes do Diógenes, houve várias comissões de emancipação. Tinha gente lutando pela emancipação muito antes do seu Wagih, por exemplo, que é muito famoso, muito antes desse pessoal, só que ignoram isso.

Muita gente lutou?

Sim, mas os emancipadores estavam no lugar certo na hora certa. Eu diria por exemplo, que o Fioravante Barletta é muito mais emancipador do que qualquer um ali. Ele foi vereador em Santana de Parnaíba e lá ele apresentou um dos pedidos de plebiscito, lá na câmara de Parnaíba.

E o plebiscito foi uma lavada?

Não tinha como não ser. A população de Barueri queria muito. Antes, era distrito policial, e isso não dá direito a nada, só a ter uma guarnição policial, uma cadeia, nada mais. Quando vira distrito de paz, não, você passa a ter direito a cartório, por exemplo. Antes, as pessoas tinham que se registrar em Parnaíba, quando se casavam, quando morriam, tudo era feito em Parnaíba. O cemitério usado era atrás da capela da Aldeia, que era o aproveitamento do antigo cemitério indígena. O cemitério novo, onde está hoje, é de 1936, muito depois do crescimento populacional. Ou seja, toda essa insatisfação de Barueri com a administração, mais a dificuldade para se deslocar até Santana de Parnaíba trouxeram a ideia do plebiscito e da emancipação.

Quando se separam, em 1947, a população de Barueri é muito maior que a de Parnaíba, mas a de Carapicuíba é muito maior que a de Barueri. O que tinha em Carapicuíba?

Terrenos baratos. Tinha três núcleos populacionais. A Vila Sulamericana, com uma parte do que é Ariston atualmente, até Santa Terezinha, o centro atual e a Aldeia.

E quando Carapicuíba iniciaria seu processo de emancipação?

Desde a primeira eleição de Barueri, em 1949, Carapicuíba já tem maioria na câmara de Barueri. Perdeu a primeira eleição porque o pessoal de Carapicuíba apoiou o Nestor de Camargo, que venceu. Mas na segunda, já elegeram Adonai, depois o Acácio, depois o Capriotti, e se continuassem como parte de Barueri, iriam eleger todos.

Voltando a Barueri, uma vez que a Assembleia aprovou o plebiscito, a coisa ficou decidida?

Sim, porque a insatisfação com Parnaíba era grande. E tudo se agravou com a eleição de 1947. Barueri poderia ganhar a eleição com muita facilidade, só que se dividiu. Parnaíba saiu com um candidato lá, apoiado por Pirapora e Cajamar, porque tudo era Parnaíba, e saíram dois aqui. E o candidato de Parnaíba, é lógico, ganhou.

Essa fase da emancipação coincide com o surgimento de alguns bairros que iriam se tornar importantes?

Sim, por exemplo, o Belval, como loteamento, é de 1936, mas ele toma impulso também em função da criação da parada de trem. E tem uma lógica, a cada estação que era instalada, aumentava a população daquele local, pelo acesso ao transporte. Os loteamentos que antes não prosperavam, porque ficavam distantes da estação, começavam a ser procurados. É o caso, por exemplo da Vila Sulamericana. Fizeram a estação militar, Antônio João, para atender a Fazenda Militar, não era uma estação para civis, era uma estação para embarque e desembarque de militares e cargas militares. Depois é que ela foi aberta ao civis e a Vila Sulamericana e a Aldeia de Barueri começam a ganhar população.

Em 1949 a população se concentrava aí, então?

Sim, umas casinhas na Vila Nova (Belval)… a região do Califórnia, do Engenho, eram chácaras. Os bairros vêm todos a partir dos anos 1950, assim como lá em cima, Vila Porto… que só cresce também depois da Castelo Branco. Então você vai ver que tem um crescimento populacional do lado de cá, inclusive as indústrias. Quantas indústrias Barueri tinha na época? Frigorífico Pisani, Minebra, Curtume Franco-Brasileiro, todos eles ao lado da ferrovia, porque era o meio de transporte mais fácil. E eles se fixavam e os empregos vinham junto.

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Por isso o Belval tem uma precedência com relação a outros bairros?

Sim, porque ele teve uma estação antes dos outros, e tinha a estação porque tinha o curtume, que depois virou Capitólio, Eldorado. Então, essa condição dos bairros próximos à ferrovia, Parnaíba nunca teve, Pirapora, nunca teve, Cajamar, nunca teve, que eram os outros três polos que pertenciam a Parnaíba. E também por isso Carapicuíba cresce, porque além de ter a Fazenda Militar, tinha a tecelagem Sulamericana, que por muito tempo foi a maior empresa para este lado de São Paulo. E tinha um diferencial, ela cedia as residências para os operários morarem. Então, muita gente se muda para Barueri porque a gente não fala da Sulamericana com cem funcionários, fala com mil, dois mil, chegou a ter quatro mil funcionários. Mesmo hoje, seria muita gente. Na época, era maior que a população de todas as cidades ao redor.

Isso formou o cenário para a emancipação?

Toda essa condição geográfica beneficiou Barueri. Tudo isso soava a favor do plebiscito. Quando vemos que só um votou contra, e ninguém sabe quem foi e ele também não se apresentou, isso mostra o ambiente favorável que se formou na cidade em função da emancipação. Tanto que na primeira eleição depois da emancipação já rachou de vez.

Isso era mais ou menos natural?

Sim, era evidente, houve uma união de forças antagônicas pela emancipação e depois cada um voltou para o seu grupo político. Porque os emancipadores eram líderes políticos que ganharam mais evidência ainda durante o processo de emancipação. A primeira câmara teve participação maciça de emancipadores, tanto da comissão de Barueri, quanto da de Carapicuíba, como da Cruz Preta.

E como foram os primeiros anos?

elias2Economicamente, terríveis. Carapicuíba foi extremamente benéfica para Barueri para conseguir a emancipação, por causa da população necessária para pedir o plebiscito, mas Barueri emancipada não tinha recursos para manter Carapicuíba. E como Carapicuíba só tinha gente, demandava muito mais recursos. Então, Barueri arrecadava para investir em Carapicuíba. Onde precisava mais de posto de saúde? Carapicuíba. Onde precisava de escola? Carapicuíba. Aqui precisava também, mas Carapicuíba tinha mais gente e precisava mais. E é lógico que o prefeito não vai atender onde tem menos gente. Carapicuíba tinha o hospital de hanseníanse desde 1930, que demandava muitos recursos. E antes não era bancado por Parnaíba, era pelo Estado, mas com a emancipação, Barueri não teve esse benefício. Toda essa necessidade de gastos que Barueri tinha com Carapicuíba dificultava o processo de administração, a gestão se tornava difícil. Tanto que muito pouco se faz em Barueri além de abrir uma rua aqui, fazer um cascalhamento ali, uma pontezinha de madeira.

Esses primeiros anos depois da emancipação foram de estagnação?

Os primeiros anos, sim. E ela só começa de fato a progredir após a emancipação de Carapicuíba, em 1965. O peso que Parnaíba tinha com Barueri, Barueri passou a ter com Carapicuíba. Mas Parnaíba não tinha com Pirapora e Cajamar o peso que tinha com Barueri. Cajamar e Pirapora sempre foram áreas de muita produção mineral, ou seja, tinham alguma arrecadação, que Barueri e Carapicuíba não tinham. A separação foi positiva para Parnaíba.

Então Barueri nasce na pobreza?

Completamente. É um período de grande dificuldade econômica para Barueri, e pouco se tem de realizações. Você tem o posto de saúde, ali na esquina da Santa Úrsula com a Henriqueta, você tem as pontes pênseis, a remodelação do hospital de hanseníase, em Santa Terezinha, o calçamento de uma parte da Campos Sales, e algumas pontes de madeira aqui e ali. Só depois da emancipação de Carapicuíba é que se começou a fazer alguma coisa, por exemplo, a retificação do Barueri Mirim no trecho Belval-centro. Foi o Adonai que fez. O rio ia lá na beira da linha do trem, dava a volta para onde hoje é o São Pedro, virava de novo para o outro lado e assim ia até o Belval.

O São Pedro nasceu depois dessa obra, na várzea do rio?

Exatamente. E essa é uma grande obra para a época, na gestão Adonai, no primeiro governo sem Carapicuíba. Ele já consegue fazer algumas coisas, um pontezinha aqui, um calçamento ali, de paralelepípedo adquirido pela prefeitura em troca de impostos. Muitas empresas pagavam impostos com produtos. O centro era todo calçado de pedras dessa forma.

Então é com a separação de Carapicuíba que Barueri começa a melhorar?

Sim, e tem outro ganho que é a criação da comarca no mesmo ano. Sai Carapicuíba e vem a comarca. O Judiciário é um dos poderes que não gera despesas para o município, mas atrai recursos. Muitos advogados montaram escritório aqui, o profissional liberal começou a conquistar espaço em Barueri. E muitos vão ocupar o comércio também. Tudo em função do fórum.

Ainda no centro…?

Sim, em cima da prefeitura. Por alguns anos, a sala do júri era a mesma do plenário da câmara. Depois é que instalaram a câmara em outro prédio, atrás da prefeitura, ali na rua do Paço. O fórum só se mudou para a Boa Vista muito depois. Como a delegacia, que era ali na Dom Pedro e depois se mudou lá para cima.

Mas aí já na fase pós-Castelo Branco.

elias3Exato, naquilo que eu chamo de terceira fase da evolução demográfica da cidade. A construção da rodovia primeiro trouxe muita gente. É muito fácil achar gente que veio trabalhar no obra da Castelo e ficou na cidade. Com a rodovia, o acesso a São Paulo e ao interior ficou muito mais fácil. Você tem a abertura de uma área que era só mato, toda a área da Vila Porto, Califórnia, parte da Cruz Preta, Alphaville, Tamboré, tudo isso muda em função da Castelo. A rodovia abriu uma Barueri que não se conhecia, que era o que estava do lado de lá no alto da Campos Sales. Antes, o que havia era a trilha da Estrada dos Romeiros, que ia para Santana de Parnaíba e Pirapora. O resto era mato. Com a Castelo, uma enorme área se valorizou.

E a Castelo é que vai permitir existir Alphaville, certo?

Exatamente, mas no momento seguinte. Primeiro, antes de Alphaville, tem os loteamentos do Jardim dos Camargos, Vila Barros, Jardim Barueri, Reginalice. Ali não havia nada, era mato, chácaras. O centro de Barueri acabava no alto da Campos Sales, bem antes da praça das Bandeiras. A última casa era do Constantino Camargo. Barueri acabava ali. Com a Castelo, essas áreas começam a ser loteadas e a ter habitantes de fato.

Alphaville vem pouco depois?

Sim, Alphaville é um parque empresarial que vai atrair trabalhadores de todo tipo, primeiro da construção civil, depois da prestação de serviços. Hoje, Alphaville não é mais a principal fonte de receita da cidade, mas teve um papel extremamente importante num período. Tanto que, quando Alphaville começou a pagar imposto, a arrecadação duplicou no primeiro ano, em 1978. No segundo, quintuplicou. No quinto ano do fim da isenção de Alphaville, em 1983, Barueri já arrecadava dez vezes mais. Furlan, por exemplo, se elegeu a primeira vez em 1982. Ele estava ali na hora certa. O orçamento era dez vezes maior com relação ao que era seis anos antes.

E a quem se deve isso?

A Guilherme Guglielmo, o Perereca. Ele criou as condições para a transformação de Barueri. Foi quem fez a estruturação, quem mudou a planta genérica do município para que existisse Alphaville, porque ali era área rural, não podia receber empresas. Ele inclusive deu isenção de cinco e dez anos, ou seja, para um período em que já não seria mais prefeito. Não foi um cara que pensou no agora, no benefício imediato. Porque Barueri só começou a ver o dinheiro de Alphaville em 1978, quando o prefeito já era o Arnaldo Rodrigues Bittencourt.

E a ocupação de Alphaville é muito rápida?

Sim. A homologação é de 1973 e em 1974 você já tem a HP se instalando, a Du Pont… No primeiro ano de Alphaville já tem uma invasão de empresas fugindo dos impostos de São Paulo, beneficiando-se das isenções. Veja o cenário do momento. Você sai de São Paulo, do custo de São Paulo, mas fica ao lado da capital, ao lado de uma rodovia ultramoderna, sem tráfego, com isenção de cinco anos. Em 1975, Alphaville tinha vendido metade da área industrial, tanto que em 1979 já começa a expansão no sentido de Santana de Parnaíba.

Como funcionavam as isenções?

De acordo com o número de funcionários da empresa. Todas tinham direito a pelo menos cinco anos e a isenção ia subindo até chegar a dez anos, no máximo. Grande parte chegava a dez porque eram empresas que tinham muitos funcionários.

E junto veio essa enorme expansão orçamentária?

Sim, e que foi muito mal assimilada, a cidade jogou muito dinheiro fora, fez muitas obras duas, três vezes. Nunca houve um plano urbanístico, de trânsito. No começo, não havia planejamento, não se sabia o que fazer com tanto dinheiro. E essa cultura se mantém. Teremos muitos problemas com esses grandes condomínios no meio de bairros, que estão sendo entregues, sem cuidado com o acesso.

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